
As bactérias do género Salmonella causam diversos tipos de infeção, estando frequentemente associadas a casos de intoxicação alimentar, como gastroenterites e, raramente, febre tifoide, uma infeção de maior gravidade.
A gastroenterite por Salmonella representa um problema de saúde pública devido à sua ampla distribuição e potencial para causar surtos.
Em Portugal, entre 2004 e 2008, foram notificados anualmente 456 episódios dos quais 82% ocorreram em crianças com menos de 15 anos. Contudo estima-se que a incidência real seja muito superior ao número de casos declarados. Nos últimos anos, observou-se um aumento da incidência de Salmonella em países industrializados, apesar do reconhecimento da importância das condições de higiene, saneamento e armazenamento adequado de alimentos, assim como da disponibilidade de água potável. Este fenómeno pode ser atribuído à influência da globalização e às mudanças nos padrões alimentares.
O que é a Salmonella?
O género Salmonella diz respeito a bactérias Gram-negativas em forma de bastonete (bacilo) que pertencem à família Enterobacteriaceae. Atualmente fazem parte do género Salmonella cerca de 2600 bactérias, divididas em duas espécies:
- Salmonella enterica: a espécie com maior relevância clínica;
- Salmonella bongori: menos comum e com menor relevância clínica para os seres humanos.
Dentro da espécie Salmonella enterica, os serotipos de maior relevância para os seres humanos são a Salmonella typhi, paratyphi A, B e C (apenas infetam humanos), typhimurium, enterditis, heidelberg, infantis e newport.
A classificação deste microrganismo é essencial no estudo de surtos, nomeadamente para identificação da fonte de infeção, bem como para estudo de resistências a antibióticos.
Como se transmite?
A transmissão da bactéria pode ocorrer por duas vias principais:
- Fecal-oral: via de transmissão de pessoa para pessoa. Ocorre especialmente quando não é realizada uma correta higienização das mãos após utilização da casa de banho/contacto com animais e/ou fezes;
- Ingestão de alimentos/água contaminada: esta é a principal via de transmissão da infeção. Ocorre principalmente devido ao consumo de ovos mal cozinhados, carnes mal passadas (particularmente de frango, mas também pode ocorrer com carne de suíno e bovino), laticínios não pasteurizados, marisco, legumes e verduras contaminadas. A infeção pode igualmente advir do consumo de água contaminada, originando surtos. Recomenda-se que, sempre que se viaje para países endémicos ou com fracas condições sanitárias, os cuidados com a ingestão de água e/ou alimentos seja redobrada.
- Outra via de transmissão possível, é a ocorrência de contaminação cruzada pela utilização de superfícies e /ou utensílios contaminados durante a preparação de alimentos.
Quais os fatores de risco?
A infeção por Salmonella apresenta um maior risco para:
- Crianças idade inferior a 5 anos;
- Idosos;
- Doentes sob terapêutica imunossupressora ou imunomodeladora;
- Neoplasias;
- Doentes imunocomprometidos (com patologias que enfraquecem o sistema imune como o caso do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH)).
Quais os principais sintomas?
O quadro clínico e a severidade da infeção dependem do serotipo da bactéria e do sistema imunitário do hospedeiro. Geralmente, a maior parte das infeções passam despercebidas, contudo podem surgir sintomas como diarreia, febre, vómitos, cansaço, dor de cabeça, dor abdominal e dores musculares ou articulares. O período de incubação também é diferente consoante o serotipo. Em termos clínicos as manifestações podem ser divididas de acordo com o serotipo em causa em:
- Salmonella não tifoide (Salmonella enterditidis, Salmonella typhimurium, entre outras): geralmente causam infeções do trato gastrointestinal que se apresentam sob a forma de diarreia aquosa, febre, dor abdominal, náuseas e vómitos. O período de incubação varia entre 6 horas a 6 dias e os sintomas surgem rapidamente. Geralmente é uma infeção autolimitada. No entanto, alguns indivíduos podem continuar a ser portadores assintomáticos da bactéria até 3 meses.
- Salmonella typhi e paratyphi A, B e C: são responsáveis por causar febre tifoide e paratifoide, respetivamente. Estes serotipos causam infeções sistémicas, com um período de incubação geralmente mais longo de 6 a 30 dias. Os sintomas mais comuns consistem são cansaço, cefaleias, febre alta e persistente, dor abdominal, mialgias, suores e rash macular no abdómen. São situações clínicas graves que requerem instituição de antibioterapia célere.
Em algumas situações, as infeções causadas por Salmonella podem degenerar em infeções sistémicas e originar várias condições crónicas como artrite reativa (inflamação das articulações), frequentemente acompanhada por inflamação ocular.
Prevenção e cuidados a ter
É possível prevenir muitas das infeções por Salmonella através da adoção dos seguintes comportamentos:
- Lavar e desinfetar as mãos com frequência;
- Lavar os alimentos em água corrente ou em soluções desinfetantes com hipoclorito de sódio;
- Cozinhar bem os alimentos, nomeadamente carne, legumes e ovos;
- Evitar consumo de leite não pasteurizado;
- Conservar adequadamente os alimentos, utilizando a refrigeração ou congelação;
- Lavar os utensílios e superfícies de trabalho da cozinha com água e detergente imediatamente após o contacto com carne crua.
De salientar que nos grupos de risco o cuidado deve ser redobrado, pois o risco de infeção e complicações é superior ao da restante população. As crianças devem ser incentivadas a não manusear alguns animais como aves e répteis (principalmente tartarugas) pois estes são bastante propensos a ser portadores de Salmonella.
Sempre que tal acontece deve ser encorajada a lavagem e desinfeção das mãos.
Em Portugal está disponível a vacina contra a febre tifoide que pode ser administrada a partir dos 2 anos e que confere imunidade durante 3 anos. A Sociedade Portuguesa da Medicina dos Viajantes recomenda que sejam vacinados todos aqueles que viajem para áreas endémicas e cuja estadia seja superior a 1 mês, sendo consideradas como áreas endémicas de febre tifoide: África, América Central e do Sul, Caraíbas, Médio Oriente e Zona Oriental e Sul da Ásia.
Como é realizado o diagnóstico?
OPara o diagnóstico de infeção por Salmonella é necessário realizar uma história clínica detalhada, com identificação dos sintomas e contactos recentes, história de viagens recentes e realização de exames complementares de diagnóstico onde se inclui estudo analítico e avaliação de fezes e sangue.
Em termos laboratoriais, podem ser realizados os seguintes exames:
- Cultura de fezes (coprocultura): é o exame que se realiza com mais frequência. As amostras de fezes são incubadas em meios de cultura específicos para que a bactéria cresça, permitindo o isolamento e identificação da Salmonella;
- Cultura de sangue (hemocultura): é realizada nos casos de infeção sistémica (quando a bactéria passa para a corrente sanguínea);
- Serotipagem: deteção de antigénios específicos da superfície celular, segundo o esquema de Kauffman-White. É uma ferramenta clássica para estudo epidemiológico. Baseia-se no método de aglutinação com recurso a anticorpos específicos que reconhecem antigénios da parede celular;
- Antigénios somáticos (O): presentes na parede celular da bactéria;
- Antigénios flagelares (H): presentes nos flagelos da bactéria. Podem ser de fase 1 ou fase 2.
- Exame direto de fezes coradas com azul de metileno: embora não seja específico para a deteção e identificação de Salmonella, permite corar as bactérias e avaliar a presença de leucócitos nas fezes, o que pode ser um indicador de colite inflamatória.
Após o isolamento e identificação da Salmonella, é feita a caracterização da espécie através de serotipagem. Seguidamente é realizado antibiograma para avaliação da suscetibilidade aos antibióticos.
Qual o tratamento?
O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) recomenda que os utentes saudáveis com diarreia apenas realizem reforço da hidratação e, nos casos mais severos, hidratação endovenosa. Nestes utentes não é aconselhado o uso de antibioterapia pois não diminui significativamente a duração dos sintomas (diarreia e febre).
Contudo, nos casos de infeções por Salmonella não typhi a antibioterapia empírica está recomendada para doentes com certos fatores de risco como infeção pelo VIH, imunocomprometidos, idosos e em doentes com mais de 50 anos e patologias cardíacas e articulares e em infeções sistémicas graves. Nestes casos está indicado a terapêutica com levofloxacina ou ceftriaxone.
Nos casos de febre entérica, febre tifoide e bacteriemias o tratamento recomendado é geralmente fluoroquinolona ou cefalosporina endovenosa.
A gastroenterite por Salmonella representa um problema de saúde pública a nível mundial. Através da adoção de medidas preventivas e da compreensão das formas de transmissão da bactéria, é possível reduzir significativamente o risco de infeção.
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